O que muda quando a cidade for esperta e a exigência para os utilizadores

Uma cidade inteligente implica que as pessoas que nela vivam sejam inteligentes. Façamos já a distinção: uma tonelada de processadores e antenas em cima de um milhão de idiotas não resolve problema nenhum a comunidade alguma, que não se organize ou queira entender o que é a vida em sociedade.
Ponto prévio feito, vamos à coisa em si. Dizem os arautos, os engenheiros, as computadoras e os mercados que não há volta a dar: as cidades vão ser espertas. Daqui a anos, a acreditar na melhor informação disponível, não há rua sem compostagem e reaproveitamento de energia renovável, para-brisas sem sistema de navegação, cidadão sem biometria, georreferenciado e ligado ao médico de família que recebe alertas em directo sobre o estado de saúde da clientela.
Não há sol que não tisne o híbrido que vai sair da cabeça dos antigos engenheiros de F1 da Renault, que ameaçam há anos o carro a ar comprimido e a energia solar, controlado totalmente pela auto-navegação nas estradas.
Mas as smart cities são velhas. O conceito está nos deliciosos romances dos anos do pós-guerra, quando Phillip K Dick, Arthur C Clarke e outros autores de ficção científica previam já a maravilha da rede, da informação integrada, das analises permanentes. Depois, diferiam se a cidade esperta era boa: ou na utopia ou na distopia, havia sempre quem concluísse que o drama estava no uso, não na tecnologia.

Este é o ponto.

O meu frigorífico há-de encomendar ao supermercado a manteiga e dizer ao meu carro, se o meu controlador de colesterol embutido deixar, qual o momento em que vou comprá-la. O meu bot pessoal vai à procura do cupão de desconto. Ao mesmo tempo, uma vez que para a manteiga necessita de pão e a esperança média de vida que o meu médico suspeita que tenho é de vinte anos, segundo os dados live, da minha conta há-de sair um investimento nos futuros do trigo para Maio de daqui a um ano, para que a conta do deve e haver seja positiva.

O mundo será um jogo de probabilidades e algoritmos.

Há coisas bestiais, claro. Nunca mais um folhado de carne picada sairá com pimenta a mais, porque a bancada da cozinha me avisará disso. Se, aliás, andar na rua à hora de almoço a sós, as lentes ligadas a uma app qualquer avisar-me-ão que um amigo está prestes a cruzar a esquina dali a 400 metros e, ainda por cima, os dados biométricos alertam para que está com fome.

O que se fará disto, quer na vida pessoal quer na da sociedade é que está por saber. Porque quando a rede, as aplicações, os processadores, os chips embutidos no hipotálamo e nos carburadores, nos prédios e nos asfaltos me disserem que na orla da cidade há dez mil pessoas com fome, doentes, com necessidades imediatas, posso eu desligar-me da rede? Posso.

Já hoje o fazemos.

Não imaginamos sequer o que uma cidade inteligente fará pelos sistemas de emergência médica. O INEM saberá muito antes e tratará de forma mais eficaz as urgências. O trânsito fluirá, a energia será poupada. Mas as pessoas serão sempre as pessoas.

A Geração Z, a de hoje, tem nas mãos a explosão da tecnologia, a imensidão das coisas boas, o conforto e o ambiente para tornar as cidades mais espertas, mais práticas e melhores.

Cabe a esta geração fazer das pessoas mais pessoas. Não há chip que ajude, aí. Apenas gente, junta, em empresas, centros de decisão e comunidades, que possam não ter medo de, com golpe de asa e de rins, impedir que as cidades se tornem num imenso “Minecraft”, onde cada um por si e nada para o todo.

Em resumo: quando Asterix e Obelix conseguiram, n’ “O Grande Fosso”, que a aldeia se reunisse de novo, com pontes e um rio que encheu para sempre a divisória que rasgava a meio a comunidade, transformaram o lugar numa cidade esperta. Sem precisar de mais do que um dique e o afastamento de gente que só olhava para o umbigo.

Mas cuidado: até para o umbigo haverá uma app.

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